domingo, 28 de dezembro de 2008

Perco-me na orquestra urbana de gente que me acompanha o passo,
sinto-me parte da inércia do movimento cinzento de iguais
e não imprimo qualquer diferença no rosto de alguém que se me atravessa.
Quando sou com gente, não sei ser poeta.
No entanto, a poesia que escrevo nos apertos de solidão
vem-me da memória dessa corrida de rostos,
dessa indiferença pelas calçadas e pelas janelas,
desse vazio que tanto quero explicar.
É essa sinfonia calada de sapatos nos passeios
que me acalma a frenética tristeza de estar sozinho.
Onde há uma massa de gente que sofre de igualdade de fatos,
há sempre espaço para descansar a necessidade de não se ser invisível.
Anseio respirar na tua boca,
descansar a testa no teu beijo,
sentir invisível a tua falta no contacto
e ser-te indispensável: complemento directo.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Eu faço e escrevo
o que quero, quando quero
a correr ou a saltar
faço como posso e me apetece
se me falha, vai de novo.
É a hora nenhuma
em todas as horas,
faço e pronto,
quem sabe sou eu!
Faço ali e faço aqui,
poemas em todo o lado,
sem casca ou descascados,
é como eu quero
e como eu gosto.
Só porque sou poeta e louco,
louco poeta bem a jeito,
e se é assim que eu sei,
e assim que eu faço,
é assim que eu quero e está pronto, enfim !

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Tiro a tolha vermelha aos quadrados
e pouso-a na erva quente do sol.
Ponho-lhe bocadinhos deliciosos de alma em cima
e o açúcar, dos sonhos, espalho-o como magia, delicadamente.
Tiro também os desejos coloridos do cesto
e os pequenos amores, esses, deixo-os desenhados num pratinho.
Está tudo pronto e olho-te ansiosa, esfomeada:
vai começar o piquenique,
o delicioso banquete de nós dois.
Aproveitemos o dia como uma manhã de sol,
como uma laranja aberta na boca,
uma flor florida na palma da mão
ou um suspiro, de brincar, na placidez de uma nuvem.
Se o tempo passa, passamos nós,
num escorrer egoísta no tempo,
numa caixa de cartão que viaja nas horas.
Por isso aproveitemos,
aproveitemos a chuva caída num copo
e o molhar dos lábios no fogo dessa água.
Aproveitemos.
Que é tarde o minuto que já passou.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Pinga-me dos dedos a água fria,
rosas nascem nas maçãs do meu rosto,
acende-se em mim a alvorada do dia
e olho os teus olhos, fogo posto.
Percorro o arco-íris do teu abraço
e ganho asas como penas de almofada,
não ganho na tua companhia cansaço,
porque és vida, a minha alma encontrada.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Fotografia: Julho 2008

És a porta da minha casa interior,
a linha do meu ideal quadrado.
És tu, sem mais nem menos,
na simples imagem de tão simples que és.
E é isso que me faz desejar-te perto e por todo:
por seres, mais que tudo,
a porta da minha casa interior que é tua
e a linha do meu ideal quadrado que é teu.
Não entendo a minha natureza de poeta,
nem me sei categorizar nessa condição.
Devo ser poeta das estrelas ou das coisas,
dos dias ou talvez dos sonhos, ou das árvores de outono.
Não sei bem.
Se calhar nem sou poeta,
sou só e sou sozinha.
E isso faz-me escrever.

sábado, 25 de outubro de 2008

Sortudos.
Somos o que nos dá prazer,
sendo assim quem queremos ser.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008


Gosto do que não se vê à primeira, dá-me gosto.
Por isso fotografo os detalhes,
os pormenores esquecidos,
os cantos invisíveis.
Mas não posso guardar imagens de tudo o que vejo,
ou de tudo o que mais queria recordar.
Há fotografias só de vista, só de um vislumbre.
O teu sorriso quando me vês chegar, é o mais perfeito detalhe,
e a fotografia dos meus olhos que nunca hei-de poder revelar.


Não posso iluminar o negro:
a claridade de um dia não o preenche ou reflecte.
E não há quem possa chegar-lhe um fio de luz de lanterna,
senão por mim.

Talvez um dia,
o negro se torne um cinzento de memórias,
com tanta a luz desses focos por que anseio (em silêncio).

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Cai o frio nas ruas
e estou quente.
A neve invisível que pousa sobre mim,
és tu, em bocadinhos.
És como um pássaro livre numa gaiola,
solto num pequeno mundo.
Esticas as asas no teu espaço,
voas o que podes na tua abóboda,
e cantas melodia para além das finas grades.
Não és triste por viver nessa jaula porque te sabes pássaro,
e um pássaro precisa apenas de saber onde pousar,
depois de voar num céu ou num sonho.

Nesse teu sítio, tu pousas no meu coração.

E a gaiola imaginária, que te prende a mim,
limita-te o voo para longe,
longe desse teu, meu, pousio.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A distância de ti não é tanta quando eu sei

que da boca ao coração

são dois palmos de mão .

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Festeja-se os desatinos da imaginação,
a massa cinzenta, a fervilhar, em revolução,
o descontrolo nato, gémeo da alucinação.
E assume-se a farda:
ser poeta é ser génio sem nome, render-se só, à perdição.
Atrevo-me a pensar em ti como um girassol aberto,
como um raiar de água fresca no sorriso de um rosto,
um simples viajante nas terras fragosas dos meus campos.
Atrevo-me a imaginar-te o encaixe perfeito das paisagens do mundo,
um semblante erguido,
uma montanha sem fim.
E atrevo-me a querer, com toda a inocência de um amor inflamado,
que as tuas medidas sejam as únicas e inegáveis,
medidas do meu coração.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Somos dois e um em simultâneo,
antíteses e sinónimos no que sabemos ser juntos.
Apercebo-me:
se tu és as rodas e eu o volante,
o carro do amor nao anda sem nós.

sábado, 10 de maio de 2008

A imaginação sentou-se comigo na paragem de autocarro.
Encostou-se a mim, carente de alma fresca,
e desafiou-me por entre os cabelos caídos nos ombros.
Entrei numa nave de papel e adormeci numa flor,
passeei numa cidade de nuvens de cartão
e cheguei à lua, sobremesa de chocolate na beira do prato.
O autocarro chegou.
E eu segui na bicicleta de algodão,
no navio amarelo de almofada,
que me levou a ti, destino eterno do que sou.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Acende o céu com essa varinha de condão e realiza nas estrelas os sonhos que o mundo causou em nós quando nos uniu na maravilhosa música de um universo sem fim .

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Na brisa quente e tenra
de um vermelho céu neste tardar,
corre o perfume campestre dos teus olhos,
uma mão cheia de mar.

sexta-feira, 21 de março de 2008


Os subalimentados do sonho não sabem,
não têm como saber,
que a poesia é pura e crua,
que a poesia é para comer.

sexta-feira, 14 de março de 2008


Sonhei tantas vezes contigo, tantas vezes,
que gastei a tua imagem e não sei mais sonhar.

terça-feira, 11 de março de 2008

Não é a chuva que dói na face nua ao vento .

É apenas a falta de uma lua de papel
que do céu passou para o bolso
e do bolso se perdeu.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008


A experiência de uma luz
que me abarca neste círculo,
nada é senão a chama que me aquece,
a vela que trago ardida no meu espaço.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Espelho, o sorriso macio daquele rosto
enche-me a garganta de cantigas,
a alma poeta de fortunas.
Liberta-me do que me consome,
sara-me as feridas brotadas na pele,
que já não ardem, já não cansam.
Não escorre mais do que tenho,
e se tenho pouco, pouco mostro,
no reflexo entrecortado de mim mesma.
O que me resta naquele espelho,
é somente aquele rosto.

Moldura duma primavera que madruga,
duma fonte que acorda num reluzir de cristais.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Gatinho, gatinho,

que estás à janela,

doçura com olhinhos de bombom.

Não me deixes ir embora,

deixa-me aqui esquecida,

que é tão bom, bom, bom.


Fotografia: Sintra
Se ainda os palácios tivessem gente,
se reis e rainhas (e padres nos púlpitos),
falassem do alto (que os mais altos eram eles),
imagino que reino seria este,
este, que no esquentar do sol,
vive na solidão e amargura de se ser português.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Não mais canta Epheu no mármore que o talhou,
ficou imóvel a lira dourada em que os dedos se enterlaçam.
As cornucópias vazias na poeira sumida,
cheiros doces os do jardim exótico, enevoado,
caminho solarengo e espreguiçado o que se avizinha.
Apetecíveis os labirintos esquecidos,
ouvem-se as águas escorrentes, a luz do exterior já brilha ténue.
Ao inferno merecido se ascende o espírito solto e livre
e rugem os leões na pedra, voam os pássaros para lá dos muros.

E passados os muros, há cidade.
Agora é-se algo mais.


Fotografia: Quinta da Regaleira, Sintra

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Mata-se a sede que se acerca da palavra


e segue o rio, galgante nas pedras e perdas do caminho.

Fotografia: Caminha, 4 Fev.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

A maior angústia da vida
é a louca procura de certezas.
Pois que o efémero não satisfaz
e o sonho não se alonga além do tempo.
Resta a vigília infortuna,
o despertar que não se concebe por inteiro.

domingo, 27 de janeiro de 2008

Distante é a palavra caída,
deixada como trapo no soalho.
A lonjura de um poema,
deixado vazio num copo.
Nada aqui me inspira,
nada tem luz ou noite.
E escrever do que não sei,
não se me afigura.
Por isso, parto.
Levo a imaginação inútil na mala,
e mala ao ombro, lá vou eu.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Lá vai o navio, vela ao vento,
piratas somos nós que passeamos no convéns.
Que ilha procuramos, se já vamos em viagem?
Ternurenta é a quentura dos dias, a mansidão repentina das marés.
Quando se enlaçam as cordas ao som da espuma perdida,
ganha a rota mais aventura no desenho rasgado do caminho,
e aroma doce é o das ondas salgadas
enquanto escreve a pena, letras soltas no amarelado pergaminho.
O paraíso que se procura,
o tesouro, brilhante, fogoso, jamais o esconde a areia.
O que importa são as amarras soltas e o embalo das águas,
a partitura serena, o canto imaginado da doce, lua sereia.
As grutas que se exploram,
as mãos que dançam no fervilhar do mar,
são tudo poemas, canções plenas,
o que se quer é segredo, escondido no vaidoso, fugido, olhar.
Triste é a ida sem regresso,
a emoção da viagem que se perde,
a chuva solene no guarda-chuva que não mais se experimenta,
e o esquecer do sol quente no embrulho das nuvens.

E triste é quando se apaga o sonho,
quando as palavras não escrevem mais
do que a última frase que acaba a história.

As calçadas que nunca se caminharam já foram,
as longas horas nos livros e nas pinturas não têm retorno
e tudo o que fica,
nada é.

Triste é pois a saudade,
a prespectiva de um amanhã solitário
e um depois que desejo que não venha.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008


As janelas que se abrem
são cortinas que esvoaçam,
caminhos que se descobrem
no claro e húmido pano do céu.
E são canteiros e flores,
nascidas e desmaiadas
na palidez dos dias perdidos.
Janelas são saídas, são entradas,
são brisas e corridas fugidas do vento,
caixilhos de luz e de caras,
vidas tecidas nas horas silenciosas,
viajantes nos relógios de cucu.
As janelas são pousios, são encostos,
são braços pousados, mãos marcadas
no frio mármore envelhecido.
São baços vidros ou brilhantes vistas,
horizontes desenhados, aqui tão perto.
Janelas tenho-as eu,
E são espelhos de pássaros
e vidas todas numa só.


Janelas tenho-as eu.
Tenho-as na alma e sei-as de cor.